Ele me ensinou a pescar e a limpar os peixes. Literalmente.
E na pescaria, para o almoço, ele trazia sardinhas e as assava na própria lata.
Dizia que os peixes pescados deveriam permanecer no sal para que ficassem mais saborosos.
Ele me prometia sempre uma bicicleta, porém jamais teve condições de me presentear...
Ele tinha uma Vespa, e carregava toda a família.
Ele tinha um casaco marrom de couro, bem surrado.
Ele tomava o café, como fosse algo que lhe desse o maior prazer na vida, mesmo assim
soprava a fumaça, sempre inquieto. Ele tinha olhos verdes que ficavam úmidos nesse
momento...
Mais um pouco de café! - Lançava mão à garrafa - Meia xícara apenas e mais fumaça e mais
sopro e olhos úmidos.
Uma vez ele me negou um pedido: Era o presente do meu amigo secreto num final de ano.
Sabia ser impossível atender seus quatro filhos no mesmo pedido. Eu chorei o dia inteiro.
Não quis assistir aula. Não falei com ele.
Naquele dia ele chorou comigo.
- Eu já não sabia se ainda chorava por mim ou por sentir pena dele.
Mais que o presente do amigo, valeu o abraço, difícil, mas que as vezes acontecia.
Ele não raramente, se fechava como um caracol dentro dos seus pensamentos,
indecifráveis para o meu entender. - Eu eu queria tanto entender!
Ele tinha momentos de largos sorrisos, e gargalhadas.
Ele tinha momentos de outonos prolongados e cinzas.- O que doía tanto? - Não soube.
Ele desmontava sua Vespa. Retirava peça por peça e as enumerava. Eu observa quieta ao seu
redor, enquanto acariciava meu cachorro.
Era um daqueles momentos de íntimo outono. Ele não queria ninguém muito perto.
Imagina, se alguma daquelas peças se extraviasse e, ou ficasse fora de ordem . Era um quebra-cabeça.
Eu sentia que era.
Parecia-lhe uma tarefa complicada descobrir o defeito.
Algum tempo depois ele esboçava um sorriso no canto da boca.
Nesse momento eu poderia me aproximar um pouco mais.
- Quando tudo estiver pronto , vamos dar uma volta. - Falava como quem me
aprovasse por não importuná-lo com minhas inúmeras perguntas. Queria de alguma
forma me compensar.
E eu só queria vê-lo feliz.
Lourdinha Vilela
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